Pelos Prados do Gerês

É um fim de tarde perfeito! Merecido, depois da tarde de frio e nevoeiro, das horas a caminhar. Mas, esta visão arrebatadora recompensa todo o esforço. Um vale prolonga-se à minha frente, coberto por um bosque multicolor de cores quentes, tão quentes quanto os raios de sol que agora me aquecem. A luz fugaz relembra-me de que ainda tenho uma longa descida pela frente. Lá ao fundo, a pequena coluna de fumo anuncia que alguém já acendeu a lareira por mim. Vou ficar apenas mais uns minutos…
No norte do país, a apenas 1h30 de carro do Porto, encontramos o único Parque Nacional existente em Portugal. Um local privilegiado de protecção de uma fauna e flora sem igual.
Com percursos que nos levam a percorrer trilhos de pastores serra acima, seguir o rasto de cavalos selvagens. Até chegarmos aos locais mais escondidos e intocados, contemplando vales profundos, cobertos de bosques e florestas de cores vivas.
Se tem curiosidade em visitar este magnífico parque, ou deseja abandonar o normal roteiro turístico, encontra aqui os ingredientes necessários para um excelente fim-de-semana. Explorando alguns dos recantos mais belos, menos povoados e no entanto acessíveis, da serra do Gerês.

Mata da Albergaria
Devido à sua facilidade de acesso e por ser um dos poucos locais do parque onde ainda é possível contemplar a floresta primitiva. A Mata da Albergaria tornou-se num dos seus cartões de visita. Mesmo com as actuais restrições à circulação automóvel, durante os meses de verão, é normal encontrar um excessivo tráfego nesta modesta estrada de terra batida.
No entanto, na Primavera e Outono, a calma volta a estas paragens. Convidando a um descontraído passeio de bicicleta.
Saindo de S. João do Campo, seguimos a estrada de alcatrão em direcção ao parque de campismo. Uma vez aqui chegados continuamos até ao cruzamento, onde nos deparamos com três opções: seguir a estrada de alcatrão em direcção a Brufe (esquerda), seguir a pé pela geira romana (em frente), ou continuar de bicicleta pela estrada de terra batida (à direita). Neste momento, a que nos interessa é exactamente a última opção.
Daqui o panorama da serra Amarela é soberbo, com a albufeira do rio Homem a estender-se ao longo do vale. Ao longe conseguimos observar o jazigo da aldeia de Vilarinho das Furnas, submersa aquando da construção da barragem no rio Homem. Nos meses de verão consegue-se deambular pelas ruínas das casas, caminhar pelos socalcos. Não deixe de visitar o museu com o mesmo nome, que se situa à entrada da aldeia de S. João do Campo. Construído parcialmente com as pedras das casas da antiga aldeia, onde se encontra um pouco do quotidiano da desaparecida aldeia, assim como gravuras e fotografias.
Seguimos o nosso passeio de bicicleta rodeados por fragas de granito, que se elevam como agulhas apontadas ao céu. O bosque emerge, reconfortante, de um encanto delicado. Carvalhos cobertos de musgo, esquilos que correm pelos ramos e ao longe o murmúrio dos ribeiros. Lá no alto a silhueta de uma ave de rapina, que observa o solo em busca de alimento.
Abandonamos o caminho principal, percorrendo um estreito trilho, aqui a bicicleta torna-se ainda mais divertida. Chegamos à ponte de madeira, onde nos deparamos com um lago de águas transparentes, alimentado por uma cascata. O local ideal para uma pausa e um pic-nic.
O regresso efectua-se pelo mesmo caminho, mas agora é maioritariamente a descer, por isso aventure-se! Largue os travões e acelere estrada abaixo, mas nunca se esqueça, pode sempre encontrar um carro pela frente…

De volta ao cruzamento inicial, se ainda tiver energia, percorra o pequeno troço da geira romana a pé. Um pequeno trilho que segue junto ao rio. Se no entanto o que procura é exactamente recuperar energias, regresse à aldeia de São João do Campo, lá encontra inúmeras tascas regionais, onde pode saborear um bom petisco. Vá até à Tasca dos Anjos, um pouco acima da aldeia, e peça um chouriço assado… divinal!

Prados da Messe, Conho e Mourô
A névoa invade os campos de cultivo e um ténue manto de neve cobre a paisagem. Olho pela janela, hipnotizado pela beleza deste local. No ar paira o rumor do sino que convoca a aldeia para a missa dominical, ritual ainda sagrado nesta região.
Começamos a caminhar, subindo lentamente a encosta da serra. O percurso de hoje irá revelar-nos profundos vales, prados, refúgios de pastores, falésias graníticas e, com alguma sorte, cavalos selvagens. Somos invadidos por um sentimento de isolamento. O silêncio apenas é quebrado pelo barulho da nossa respiração, ou pelo som da neve a estalar sob o peso das nossas botas.
Percorremos um trilho de pastores e em cada prado encontrar-mos um dos seus abrigos, usados para guardar alguma comida e utensílios, ou por vezes, como resguardo para uma ou outra noite aqui passada. Abrigos modestos e pequenos, a horas a pé de qualquer estrada ou aldeia. Os pastores são os guardiães da serra, mestres na sua lide. Palmilham os seus caminhos de lés-a-lés, sem equipamento ou cartas topográficas, tendo por companhia apenas o seu rebanho. Um pouco por todo o mundo foram eles os primeiros montanheiros e alpinistas. Famosos pela sua coragem e destreza na montanha.
Chegados ao planalto, o nevoeiro oculta qualquer referência, o trilho desaparece. O manto branco da neve confunde a navegação. Ao longe distinguimos uma mariola, estes amontoados de pedra usado por pastores é sinal de que estamos na direcção certa. Os longos vales de paredes verticais, que emergem acentuam ainda mais o aspecto montanhês da paisagem.
Passadas poucas horas, o nevoeiro desaparece e somos reanimados pelo calor do sol. Sentimos uma imensa felicidade por ainda poder usufruir de locais como este. Aqui percebemos que fazemos parte de um mundo natural. A nossa vida torna-se mais forte, os sentidos mais despertos. É nestes locais que nos evadimos, do nosso universo, da nossa rotina.
É um fim de tarde perfeito! Daqui avisto toda a mata da Albergaria, as encostas da serra Amarela e o espelho de água dourado do rio Homem, completa a paisagem. O sol vai desaparecendo no horizonte, isso não importa agora, em breve estarei de volta ao conforto. Ao longe avisto a casa onde iremos passar a noite, com fumo que se eleva da sua chaminé. Quase sinto o cheio a lenha queimada no ar, o calor da lareira na face.

Tiago Costa
Guia Nomad do programa "Prados do Gerês"
artigo publicado na edição nr 1 da revista Visão - Vida & Viagens