Deserto e Costa Atlântica (com Gonçalo Cadilhe)

Olá,

De facto foi uma experiência para recordar sempre e, quem sabe, voltar a repetir com outro itinerário. Correu (quase) tudo muito bem e o saldo é francamente positivo. Só tivemos muito frio e, por isso, acho que para futuras viagens a NOMAD deverá salientar mais este aspecto, aconselhando roupas mesmo quentes para viagens feitas nesta época do ano.

Fátima C.

Deserto e Costa Atlântica (com Gonçalo Cadilhe)

Olá, Foi sem dúvida a viagem da minha vida.

Obrigado,
Jaime

Deserto e Costa Atlântica (com Gonçalo Cadilhe)

Boa tarde! A viagem correu muito bem, das melhores que fiz até hoje!

Obrigado e até breve!
Joana

Na Rota do Lobo Ibérico

Tiago, obrigado a ti pela organização e ao Pedro e Anabela pela companhia e passeios. Foi muito divertido, talvez para repetir um dia,… mas a cavalo!! Hehehe As fotos estão muito boas obrigado!!!

Abraço,
Francisco C.

Prados do Gerês

O programa foi bom, fizeram um bom trabalho. E foi bom conhecer-vos. Tiraste umas boas fotografias.

Um abraço,
André

Iuri no Deserto por Gonçalo Cadilhe

Talvez seja um dos lugares mais bonitos do mundo. Só me lembro disso agora que estou outra vez nele. Devia lembrar-me mais vezes — por exemplo, quando me perguntam: “para si qual é o lugar mais bonito do mundo?” Há sempre tantas respostas possíveis mas, agora, fico furioso por nunca me lembrar de dar esta: “o corredor de dunas de Sossusvlei”.

A palavra “corredor” não aparece em nenhuma designação oficial. Os mapas indicam apenas o nome “Sossusvlei” para este ponto de encontro de dunas que parecem atravessar o deserto do Namibe até virem quebrar aqui — como as ondas atravessam os oceanos até chegarem a um litoral. Os ventos explicam por que razão Sossusvlei está para as dunas como os litorais estão para as ondas. Os ventos aqui mudam, e as dunas não avançam mais. E, tal como os litorais sublimam a energia das ondas fazendo-as quebrar, também a um visitante o fim do mar das dunas transmite a ideia épica de um condensado da beleza de todos os desertos do mundo.

Eu chamo-lhe “corredor” mas é na realidade uma estrada com 60 quilómetros que sai do parque de campismo de Sesriem, na base das montanhas de Naukluft e segue para oeste, na direcção do Atlântico, que está a mais de cem quilómetros de distância. A estrada acaba em Sossusvlei, depois começa o deserto. À medida que nos aproximamos de Sossusvlei, a paisagem muda: os contrafortes das montanhas Naukluft dão lugar a colinas suaves que, por sua vez, dão lugar a dunas abruptas que anunciam o deserto. São estes últimos vinte quilómetros que me deixam furioso por nunca me lembrar deles.

As dunas mais impressionantes do mundo descem rapidamente até à berma da estrada — labaredas que dançam do deserto para fora na nossa direcção e ao nascer do sol têm a cor do fogo para mais um dia a ferver. E o carro desfila pelo meio desta embaixada exuberante quase sem reparar nela, porque o ponto de encontro é mais à frente: no fim do corredor, em Sossusvlei.
Os visitantes param aqui. Ninguém tenta continuar. Como se a curiosidade terminasse onde termina a vida: para lá de Sossusvlei, apenas o silêncio estéril e sufocante, o excesso de espaço e luz, a recusa de dádivas da Terra, a ausência de pulso do planeta. O princípio do nada. E, no entanto, esperamos um guia que nos vai mostrar como se vive no deserto. É esse o tema do “tour”: explicar o funcionamento do ecossistema do Namibe, caminhando um par de horas nesse condensado de todos os desertos do mundo.

Espero por um guia que se assemelhe vagamente a um bosquímano. Não pretendo uma mistificação em tanga e lança, mas seria de supor que o nosso guia terá nascido e crescido no ecossistema que tão bem conhece. Afinal, o nosso guia não é bosquímano, nem namibiano, nem sequer africano. Não é um guia, é uma guia… e é japonesa. “Amo o deserto”, explica-nos, quase que justificando-se. “Chamo-me Iuri”.

Imagino Iuri em Tóquio. Ou em qualquer outra grande cidade do Japão: Iuri enfaixada em trânsito, prédios, horários e convenções sociais. E depois, um dia, o encontro com a liberdade do deserto. “Estudei turismo e era uma dessas guias com o guarda-chuva vermelho esticado ao alto como vocês vêem na Europa”, explica-nos.

Há cerca de dez anos, Iuri chegou a Sossusvlei. Descalçou-se, e nunca mais se foi embora. Nem nunca mais se calçou. “Porque andas descalça, Iuri?”, perguntamos-lhe. Ela sorri e encolhe os ombros, todos os dias lhe devem fazer a mesma pergunta. Põe-se a correr por Sossusvlei fora, diz: “Sigam-me. Mas não precisam de correr”. Corre até encontrar vida, depois chama-nos. Aponta: um escaravelho, uma aranha, uma raiz, excrementos de chacal, pegadas de antílope. Todos eles espécies únicas no mundo que só existem aqui: adaptaram-se para poderem sobreviver no deserto da Namíbia.

Iuri também se adaptou, se calhar anda descalça como quem sobe um degrau na evolução dessa subespécie humana que é a dos que amam o deserto. Casou com um homem da sua subespécie, um branco sul-africano que também se mudou para Sossusvlei. O apelido do marido é “Bushman”, em português significa “bosquímano”. Não é alcunha, dizem-me, é mesmo assim. Juntos, possuem uma pequena agência de turismo, especializada em passeios pedestres por Sossusvlei.

Há alguns meses atrás atravessaram o Namib desde aqui até ao Atlântico, a pé. E descalços, claro. Lembro-me de uma conversa com o meu amigo Ian, que vive perto daqui, em Witsvlei, na orla de outro grande deserto, o Kalaári. Ian elogiava as vantagens de possuir um todo-terreno na Namíbia: “às vezes, conduzo até lugares tão afastados de qualquer estrada que acredito ser o primeiro homem a chegar lá”. Descalço, pelos vistos, vai-se mais longe.

Enquanto a Iuri vai explicando todos os truques que a vida teve que inventar para sobreviver aqui — e por vezes nem sequer conseguiu — eu penso na absurda teoria do “intelligent design”, que os fundamentalistas evangélicos gostam de citar. Deus foi conduzindo a evolução das espécies até ao produto final, o Homem. Então para quê as dezenas de milhares de espécies extintas? E para quê este “desvio” pelo deserto? Para eles, a teoria da evolução de Darwin e o dogma criacionista da Bíblia são compatíveis; Religião e Ciência são duas faces da mesma moeda. Não são. Penso que são como uma ampulheta: à medida que a areia irá enchendo o compartimento da Ciência e do saber, o outro compartimento irá esvaziando-se até perder qualquer significado.

Penso também noutra coisa. Que este tour devia durar duas horas, foi o que pagámos. Mas a Iuri já está connosco há três horas e meia, e não parece querer terminar as suas explicações. Encontra sempre mais um lagarto, um cacto, uma mudança de direcção do vento, um vestígio de mar na areia do deserto. E segue mais uma explicação. Iuri ama o deserto, e gosta de partilhar esse amor. Nós agradecemos. “Venham atrás de mim, não precisam de correr”, repete, enquanto corre à nossa frente, à procura de mais vida para explicar, descalça.

Gonçalo Cadilhe

nota: Artigo referente à viagem Nomad líderada pelo Gonçalo em Junho de 2008, mais info em http://www.nomad.pt/empresa.htm. Publicado no Expresso em 26 Julho 2008.